domingo, 27 de dezembro de 2009

Noite...(In)Feliz...



Acendo as velas...

Sinto ao entrar na cozinha o aroma de canela no ar.
Mas…
Mas, não me cheira a Natal.
Observo o vapor que sai da panela, onde ferve o molho adocicado, para as filhoses. Água, açúcar, paus de canela, e um segredo.
(Como te vi fazer tantas vezes mãe).
Olho, o vapor dissoluto a ser sugado pelo exaustor.
(Arrastando consigo a pouca vontade que me resta de festejar o Natal…)
Reparo na consistência do molho que começa a ficar espesso.
(Como a minha dor…)
Olho de relanço o alguidar onde a massa das filhoses, fermenta a olhos vistos.
(Fermenta também veloz o alvoroço das minhas memórias, de Natais passados...)
Desligo tudo, visto o casaco, bato com a porta e saio de casa!
(Pudesse eu desligar-me também…)
Vou sair de casa mas não sei para onde vou…
(Queria apenas inexistir nesta quadra…)
Mas fora, o ambiente é ainda mais nostálgico e constrangedor.
(Ou sou eu a nostálgica, despegada deste ambiente…)
Luzes, multidões, confusões, canções de Natal já gastas perpetuam no tempo.
(Avivam-se recordações, inúteis, de vivências entorpecidas por defesa…)
Apetece-me fugir, para um sítio algures, por ai, onde ninguém festeje o Natal.
(Fugir do Natal? Fugir do passado caduco que me persegue? Ou fugir de mim?)
Abalar…Para um lugar longínquo onde não exista Natal…
(Vontade sazonal de hibernar…)
Não gosto do Natal!
Volto a dizer, a escrever, o que já disse vezes sem conta, e sem tirar uma vírgula que seja.
Não gosto do Natal!
Não, não me julguem ou critiquem, por eu dizer que não gosto do Natal.
Não, não me digam que é pecado dizer isto.
Não, não me digam que é ofensa, como daquela vez que passei a consoada adoentada, acamada com febres altas, e me disseram que era castigo, por eu dizer estas coisas.
Não gosto do Natal, deste Natal de Dezembros frios, cobertos com luzinhas de mentira. De brilhos ilusórios. De fitas coloridas. De embrulhos vazios.
De pinheiros já defuntos, a salivar o desbotado verde. O reflexo da lareira, mostrado no luzidio das bolas penduradas, com fios dourados.
Pavoneiam-se pelas ruas, pelas lojas, por todo o lado, “palhaços” pançudos vestidos de vermelho. (Nunca acreditei no Pai Natal, nunca adivinhou o meu simples pedido, humilde súplica, renovada tantas vezes, quantos os Natais que passaram, sem existir o verdadeiro significado do Natal…)
Exuberâncias desnecessárias, nesta quadra de enganadores pedidos.
Sejamos amigos, sejamos irmãos, sejamos família, sejamos condescendentes,
Sejamos solidários, sejamos, sejamos, sejamos…
Altruístas desta quadra só? E o resto do ano? Onde estão vocês?
Que Natal consumista é este que apresentam?
Montes de presentes, correrias loucas atrás da prenda perfeita, pelo melhor preço, tentam dar o melhor presente, na expectativa de receber a oferta perfeita!
Falsos desinteressados…
Não, não gosto do Natal! Por tudo isto, e por muito que me atormenta, ainda, e não pretendo escrever…
Pois nem com pozinhos cintilantes, conseguiria camuflar, nem com fitas douradas embrulhar, e nem com luzes de coloridos resplandecentes, conseguiria tornar legível e brilhante algo que é escuro e indizível…
(Sofrimento…)
(Prossigo somente arrastada por uma estranha força, que imprimem sobre mim, os olhares inocentes de meus filhos…)
Tenho a custo já preparada, a refeição da consoada, o tradicional bacalhau com couves portuguesas, (estas por sinal nascidas e crescidas aqui em terras helvéticas, e oferecidas com muito gosto por um casal amigo, bem hajam Sr. M…e Sra. A…)
Hora de jantar, uma mesa cheia (e tão vazia) a couve o bacalhau insípido, as batatas encruadas…
Não gosto do Natal…
Consoada…
Refeição indigesta, com paladar a esquecimento, sobre toalhas de melancolia, guarnecida com os talheres da saudade, servida em porções de orgulho, acompanhada de pedaços envelhecidos de pensamentos escusados…
Será falta de tempero? Insinua-se o galheteiro luzente…
Vocês condimentariam com o quê? Azeite e vinagre?
Pois… eu também, azeite vinagre, e não só…
(Paladar misto, amargo e salgado…)
Não, não gosto do Natal!
Não gosto deste Natal assim...
Não gosto do meu Natal...
Apago as velas...
...e espero nesta indiferença, que mais este Natal sem boas lembranças, se apague na masmorra embaciada da minha memória...

2 comentários:

  1. *
    esvoaça o Natal,
    o 2010, está a chegar,
    ,
    se eu fosse o futuro
    pincelava o 2010
    de um modo desigual,
    invertia os grandes mestres
    estimulava os absurdos
    convertendo o obscuro,
    o branco seria carinho
    a tolerância o preto
    no rosado da saúde,
    e o azul da amizade
    feita ternura esmeraldina
    na meiguice amarelada,
    eu quero a Paz anilada
    no lilás da paixão
    em violeta de amor,
    e de forma desejada
    ofereço, como gratidão,
    o perfume de uma flor.
    ,
    que venha o 2010 !!!
    ,
    conchinhas
    ,
    *

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  2. Excelente texto poético!Nostalgia em época Natalícia...avivam-se na memória recordações de Natais passados, quando o espírito era o da partilha e da únião. Hoje o consumismo desenfreado tirou o encanto a esta quadra e cada vez mais sentimos saudades dos Natais de outrora.

    Beijinhos soprados até aos Alpes, minha querida Flor Alpina! ***

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