Continuação...Gare do Oriente! Ali, tão perto de si todos os dias, e nunca a visitara, estava na hora de embarcar em outras viagens, pensou!
- Um bilhete para Madrid se faz favor.
Procura na carteira o maço de tabaco enquanto a Sra. com um sorriso postiço esticava os dedos preguiçosos nas teclas do computador para indicar o destino de mudança.
Agradeceu, com um sorriso equivalente, acendeu um cigarro enquanto dobrava o bilhete e sem saber como o metia dentro do maço do seu vicio reavivado, havia já meses que não fumava…
Sentou-se no lugar á janela, queria admirar a beleza que pudesse haver naquela tarde nublada, tão cinzenta como o seu coração.
Mas não encontrava, fincava o olhar num ponto fixo do vidro por onde escorriam imagens, e nada tinham a ver com as imagens do filme que rodava há já uns dias na sua cabeça.
Procurava na paisagem ondulante um vazio, um vazio que por momentos a engolisse da realidade…
Momentos depois de o comboio começar a entrar no andamento certo e ininterrupto, desvia a cabeça do vidro, e ergue os ombros respira fundo e promete a si mesma que não vai ceder á melancolia!
Arrumar as ideias!
Isso mesmo arrumar as ideias, nas prateleiras invisíveis da mente e concentrar-se no que realmente importa!
O futuro.
Procura na carteira a agenda para conferir os últimos pormenores da reunião, vem-lhe primeiro á mão o maço de cigarros antigo, e pensa começar já por ali, não iria agarrar-se de novo ao vício que já tinha esquecido. Deita-o fora juntamente com outros papéis que agora já não faziam sentido, como recadinhos de amor em papel autocolante que encontrava de vez em quando pela manhã colocados no computador, ela para os desfrutar durante o dia trazia-os consigo. Sentimentalista de meia tigela disse de si para si!
Amarrotou tudo e colocou no cestinho do lixo que encontrou na casa de banho serpenteante deste comboio fantasma.
Quase fantasma, quase vazio, pelo menos a carruagem que ocupava, mas preferia assim, teria mais espaço e silêncio para reflectir e descansar.
- Bilhete por favor. Acordou-a a voz do revisor.
- Sim, um momento enquanto procuro aqui…o…bilhete…Oh, não… o meu bilhete! Não é possível que eu o…tenha…colocado no maço…oh, merd…! Não é possível!
- O bilhete por favor minha senhora!
- Sei que pode parecer absurdo, e vai rir-se de mim, mas acho que deitei o meu bilhete fora, era um habito que tinha de quando era estudante, tirava o bilhete e metia-o dentro do maço dos cigarros assim estava sempre á mão, e acho que a minha mente não se esqueceu e comandou sem me avisar… e agora que faço?
- Pois eu não sei, sou novo neste emprego, sabe como é, a crise obriga-nos constantemente a mudar e eu não sei o que se faz numa situação destas, e se me está a mentir e não há bilhete nenhum? Sabe-se lá o que as pessoas hoje em dia inventam para não pagarem?
- Juro que comprei bilhete!
Os olhos suplicantes pediam-lhe que acreditasse que era verdade.
E ele sabia que era verdade, estava sentado na gare á espera do mesmo comboio para trocar de turno com o colega que chegaria á hora certa como um relógio suíço. Quando reparou na silhueta daquela mulher elegantemente vestida e com o olhar distante!
O seu emprego de detective nas horas livres, tinha lhe dado a sabedoria e a perspicácia de estar atento a pequenos detalhes que a outros pareceriam comportamentos normais. Viu exactamente o gesto inconsciente das mãos a agirem sozinhas, a dobrarem aquele rectângulo de papel, pois a mente não as comandava estava demasiado ocupada. Só não sabia com o quê, mas iria descobrir…
Ficou feliz ao ver que embarcara no mesmo comboio que ele…
- Bom, eu vou continuar, espero que encontre o bilhete voltarei aqui quando acabar de controlar tudo!
E voltou, mais tarde, muito mais tarde, ficou parado encostado ao banco a vê-la dormir com as mãos entrelaçadas em volta do estômago.
Como é bonita!
O sorriso maroto denunciava-o.
Adivinhava o contorno dos seios, bailarinos que dançavam numa liberdade conquistada debaixo daquele vestido primaveril!
Sentou-se ao seu lado. Acordando-a com um suave toque no ombro.
- Não encontrei o, o bilhete…Disse-lhe sobressaltada.

Continua...
*N.A_ A viagem...(Mini texto escrito a pedido de uma pessoa para participar numa selecção de mini contos.)
Fotos Flor Alpina