quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Sinto nos dedos...


Despega-se mansamente
O cheiro a praia que trazia em mim
O sol tatuado a sal descora no castigo dos dias
Cai-me aos pedaços dos olhos o resto de maresia
Derrama-se sobre mim a bruma de saudade
Desfraldo os escassos sentimentos que pesquei
Nas ondas espalhadas do meu corpo
Grito às marés os silêncios no voo das gaivotas
Arrasto uma das minhas penas
Mergulho-a na maré negra
E desenho as amarras invisíveis que quero cortar…
Nesse porto (in)seguro
Nas dunas triaçoeiras onde cantam sereias
Longe do cais de abrigo um farol apagado
Em noite de tempestade
Onde o vento é aconchego dos pensamentos
Sinto nos dedos o sabor do mar
sinto nos dedos o pulsar das torrentes
Sinto nos dedos as marés vazias
De palavras que não me cabem na praia deserta

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Metade de mim...


Metade de mim não quer ser
O que a outra metade é…
Metade de mim é luz
Metade de mim cristalina escuridão…
Metade de mim é mar
A outra metade sinuosa montanha…
Metade de mim é existência
Metade de mim genuína solidão...
Metade de mim é voo
Mais de metade de mim é queda no abismo...
Metade de mim adormece
Enquanto a outra metade desperta…
Metade de mim orgulha-se
A outra metade (in) feliz despreza-me…
Metade de mim cala-se
Quando a outra metade se zanga…
Mais de metade de mim zanga-se
Quando a outra metade covarde se cala…
Metade de mim é silêncio
Metade de mim alvoroço…
Metade de mim eu entendo
E não entendo porque não entendo a outra metade…
Metade de mim está deprimida
Por ver que a outra metade se acomoda…
Metade de mim denuncia,
O que a outra metade renuncia…
Metade de mim crítica
O que a outra metade aceita...
Metade de mim é calor
Metade de mim arrepios...
Não sei qual das duas metades escreveu este texto
Que deixou pela metade…
Metade de mim quer apagar
A outra metade diz simplesmente que não…


quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sempre que chega Outono...

Esvoaçam…
Os poemas…
Como folhas de Outono…
Perdidas…
Caducas…
Cansadas…
Como sentimentos…
Sem sentimentos as folhas…
Comparáveis a criaturas que conheço…
Desalentadas…
Sempre que chega Outono…

Amareladas…
Repousam no chão…
As folhas…
Mas o poema não…
Vagueia ainda embalado…
Pairando na mente…
Respirando o ar rarefeito…
No lugar onde mora o vazio…
Sempre que chega Outono…

O pulsar das lágrimas de um verão findo…
Tragadas pela melancolia
O frio dourado a brilhar astuto e penetrante…
Trespassa os corpos…
Abafando as explosões…
Capazes de fracturar o (meu) universo
Sempre que chega Outono…


Observo o verão a apagar-se num lampejo…
Espraiando-se…
Nas cores de Outono que se demoram cada vez mais…
O amor dourado arrefece num pôr-do-sol…
O vento exibisse por entre a nudez das árvores…
Esconde-se por trás de uma hastezinha dourada
Espreita com malícia a agitação das bailarinas…
As folhas…
Enquanto ensaiam a sensual dança cadente…
Abandonando-se no aconchego…
De um chão atapetado…
Recortado de tardes soalheiras…
Sempre que chega Outono…





sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Sonha(se) Sereia...

(imagem da internet)

Imagina-se sereia…
A montanha…
Num sopro de vento norte…
Contempla os espelhos baços…
Salpicados de águas turbulentas…
Entre gotas de suor corpos salgados…
Engole o silêncio prisioneiro do seu grito
Desvia o voo errante das gaivotas
(Ou o seu próprio voo rasante?)
Afasta a cortina de maresia…
Com raios de penas…
Marulhado o sol tinge sussurros…
Faina de desejos esvoaçantes…
Ladeada nas redes pedaço de montanha…

Sonha(se) sereia…

Estende o lençol branco de espuma onde se inventa…
Enquanto o mar másculo lhes mostra todo o seu vigor…
No vaivém das ondas deslizam sobre seu corpo nu carícias…
O mar…esse possuía-a sem rodeios nas investidas das vagas…
Ávida…recebia-o dentro de si sem pudor
Sacode o corpo impregnado de beijos e sargaços
Pede ao pôr-do-sol segredo…
Arrepios de prazer dispersos pela brisa que as dunas abafam…
Reúne os gemidos espalhados no areal de imprudência escaldante…
Imagens reflectidas no fado azul dos oceanos…
Onde amantes náufragos dessa ilha que não existe…
Apagam as marcas desse amor que ainda não nasceu …
Á luz cúmplice das estrelas que se acendem…
No limiar do horizonte…
Sorri a sombra clandestina da lua…
Á montanha…
Adormece numa nuvem de branca espuma…
E sonha(se) sereia...

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Fios de memória...


O passado é o baú
Onde arrumei os segredos do tempo
Fios de memória se desatam...
Os erros são correntes enferrujadas
Encarcerando aparências
Afogando-se cristalinamente
Ao ritmo da certeza

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Obrigado! Por existires...


..."_ Obrigado!
_ Obrigado?
_ Sim…por existires em minha vida…”


Palavras morfina amenizando a dor…
Tomo para mim o significado das palavras…
Na dose certa…
Remediando meu lamento…
Com a força de um abraço não dado…
Desencadeando emoções…
Interrompidas…

Quis odiar -te!
Esquecer-te!
Apagar-te!
Vezes sem conta…
Contando as vezes em que iria conseguir…
Juntar as partículas esvoaçantes…
Das palavras desfeitas…
Feitas poeira, ao vento por ti espalhadas…
Procurei no vazio as palavras que disseste…
Amachucadas atordoadas nesse profundo lugar de mim…
Onde as depuseste…
Cravejadas marcas brancas…
Rascunhos em lousas pretas…
Respiravam ainda…
Ao som lânguido de uma vertigem…
Tombando na escuridão…
Resvalavam palavras insanas…
Amarradas ao giz que empunhavas…
Esgaravataste-me na alma…
Tentando sarar as feridas que fizeste sangrar…
Conquistas a esperança espargindo um bálsamo apaziguador…
Num acto de contrição…
Das mais simples, as mais belas palavras que algum dia ouvi…


“Obrigado a ti, por existires em minha vida…”


terça-feira, 7 de setembro de 2010

Oh, Mar!


Abandonei indescritíveis segredos…
Dentro de garrafas fechadas…
A flutuar mar fora…
Mar?
Que mar?
Mistério…
Nesse vaivém de enigmas…

No limiar desses horizontes indefinidos…
Já não distingo as dunas…
Já não consigo inventar o mar…
Sempre que procuro o mar,
Há uma parte de mim que se perde…
Na rebentação dos sentidos…
O mar levou-me o poder de sonhar…
O farol apagou-se…
A natureza moldou meus passos…
E vejo a realidade a emergir das poças de escuridão…
Que a lua se esqueceu de acender…

Mar inquietamente tranquilo…

Duvido que os oceanos engulam as garrafas…
Iridescentes…
Cheias de mensagens vazias…
E lhes dêem o rumo que pretendo…
As marés sucedem-se na direcção contrária…
Oh, mar!
Os teus silêncios estão na minha praia artificial…
Terás que te agitar para os resgatar…
Possuo agora a fórmula secreta…
(Mas não a sei decifrar…)
Dos sons com que engravidas os búzios…
Com qual tentas originar amores platónicos…


quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Setembro...

É Setembro…
E já longe do mar…
Com (des) gosto…
Sinto nos ombros nus, os arrepios de Agosto…
E no peito adivinho o frio de Dezembro...
Contornos sombrios, uma moldura vazia, a do retrato abstracto que ninguém pintou, algemando-me a este fantasma da minha imagem vindoura, onde figuram as lembranças do passado…
Tu, Setembro!
Arlequim vagabundo rasgando no tempo as memórias de água que me serviam de agasalho, e me matavam a sede de um desejo abafado com lençóis de magia nas noites de insónia…
Tu, Setembro!
Galgas as margens da razão, a saudade aperta-me mais que o que eu queria…Abrange as margens curvilíneas deste corpo rio que flui, e desagua lá ao fundo, lá mesmo ao fundo, no meu seio, feito mar sem fim...
Vagueiam nas orlas do esquecimento, as sombras esculpidas ao luar de ninguém, dos esqueletos acorrentados na pequenez dos grandes sonhos…
Traços imperceptíveis desenham a dor escorregadia com fios de lodo arrancados de mim, de meu peito, leito, com o teu semblante desajustado, Setembro arrogante, anestesiando-me só com o som simétrico do vento norte…
Cruzam-se no horizonte as carícias de ontem tocando os céus e guardo-as sem veres na mão fechada dentro de uma nuvem azul…
Promessas mentiras afectos, dançando na silhueta oblíqua dos pinheiros desencadeando burburinhos aprisionando silêncios…
Tu e eu, Setembro, alinhavando rascunhos, palavras nada mais que palavras, esperando pela vinda acidental de Pégaso que nos levará para além das palavras, destino por nos conduzido com rédeas de sonhos onde diremos depois…
Sim, foste, Setembro!
E eu trazia ainda nos ombros nus os arrepios de Agosto…